sábado, febrero 19

Temporalidade

As sucursais que as pequenas mãos percorriam. Faria com que se lembrasse das noites que clareavam mais cedo.

Ultimamente escreveria sobre as noites transcorridas. Nunca souberam desse pesar, as palavras repetidas em versos livres limitavam em linhas exatas para um cantar futuro.

Se não houvesse voz, o esforço nostálgico das mobílias em também gritar não se faria necessário.

Nas ruas o que se ouve é silêncio, um grito quase triste dos transportes de massa que desviam das mobílias ambulantes que gesticulam agitadas, não se pode esbarrar nas coincidências. Não podemos nem ao menos perguntar as horas sem temer o risco de nos apaixonarmos pelos ponteiros. Exato, meio dia e quarenta e três. E pronto, amamos aqueles segundos pela certeza de sabermos as horas. Tudo questão de exatidão, uma simetria unilateral nos permite a vulgaridade da dúvida nos segundos que antecedem a pergunta afligida.

“Você pode me informar as horas?”

E aquele buraco se abre e nos engole no gozo da imagem refletida no espelho. Essas tais sucursais das pequenas mãos tateiam o rosto e identificam nas rugas as grades que te impediram do suicídio na janela e o ânimo que te agradece por mais uma chance concedida pelas próprias grades e pelo sentimento de fracasso que ocorreria se houvesse a ausência dos limites que nos cabem.

A frieza de nos apegarmos a esses elementos que são testemunhos do que se passa. Hoje, amanhã e antes de ontem, nunca se deve esperar nada de palavras que não passam de mera marcação lingüística de temporalidade.

miércoles, febrero 9

Do Querer.

Tudo que sempre me resta das pessoas são as coisas que eu consigo roubar e que provavelmente para estas são ditas “sem valor”. Só que as coisas, os objetos são mutáveis. Elas acabam absorvendo as lembranças que nós damos a elas.

E sempre fica essa coisa por dizer. Eu só espero que da próxima vez que eu diga seu nome ao telefone mudo, você me responda do outro lado, só para ter certeza que eu ainda posso dizer o que eu não digo. Para que eu não sinta de novo aquele sentimento amargo. Essa culpa por não falar quase nunca o quanto eu me importo e a culpa por também falar o que eu não penso. Sempre será a minha rota de fuga, porque eu também não quero ouvir o que você consegue dizer eu prefiro criar, até mesmo a dor, eu também crio a dor que eu sinto. Essa verdade inventada que me faz sofrer e que também me faz guardar tudo isso. Eu precisava tanto saber que eu ainda posso.

Eu só queria saber criar coisas que me fizessem bem. Recriar-me como conciliação ao que eu mesmo me provoco, como se eu pudesse me virar no meio da noite e te espiar pela fresta da porta, ter certeza de que você dorme e de que você acorda. E assim eu poderia ter a verdade inventada que eu tanto planejo. A utopia de que a ausência é só mais uma coisa minha, independente de você estar ou não.

Por um instante, por meia verdade e eu poderia me livrar de tudo isso e ser infinita desses mil amores que eu carrego no peito. Antes mesmo de hesitar por qualquer precaução de resguardo eu romperia no amanhã dizendo que ainda aguardo de você todas essas coisas que eu criei e nunca ouvi da sua boca.


Obs.: Mais Bianca do que poderia suportar.

martes, febrero 1

Sinal

Sustentava os vícios do seu corpo como uma breve oração a sua carne. O rosto sempre lhe destacou os olhos. Profundas prisões nessas cavidades de íris. O seu corpo era feito para impor os limites do cérebro.

Qualquer objeto poderia transpor o indefinido, pois se basta para isso imaginar a intransponível barreira a partir de materiais dóceis ao afago das mãos.

Involuntário. Cada um possui seu próprio cadafalso, e o que te ditam nos livros são os “absolutos” de todos os séculos. E mesmo que houvesse grilhões passados e artifícios do estático, nunca falei outra língua que não a do seu corpo.


Carolina Burnier

Sonâmbula

A única coisa que me conforta e ao mesmo tempo me dá calafrios durante a noite, é a interminável espera de ser eternizada pelas retinas ou por papel foto. Apenas sabemos de nós pela sombra do corpo que se pode ver na parede. O silêncio que há dentro da câmara é o que nos permite ser infinito, porque os mecanismos, as estruturas da sala escura selecionam o momento exato em que não seremos esquecidos.

Nunca me deito para dormir, sempre me deito para aguardar. Meu único desejo é de que consigam capturar todo esse medo. Alguém que me afague o ombro e distraidamente envolva meu corpo, minha angústia e meu corpo calejado com mentiras. Sussurre repetidas vezes coisas confusas, porque eu quero chegar ao ponto do transe onde se pode dizer que se ama sem pensar nas unhas que se cravam nas costas.

Sonâmbula, no instante em que eu mais me sugerir como mulher, será meu momento de mulher mais solitária do mundo.


Bianca Burnier