sábado, abril 28

O Cortejo




      Debaixo das unhas, nos braços, nas coxas, nas mãos e entre os dedos.
      
      Cada vez a morte era posta de forma diferente. A conversa, as obviedades ditas durante as “terapias”. Aquela forma de lidar com a própria dor. As unhas roxas, o frio, as agulhas. A contrapartida, o contraponto, o contrário. Sete semanas trancada em si mesma e a loucura já permeava a cor da pele. Os fragmentos não a seguiam, porém sabia de tudo que se passava. Bastava estender a mão para que quisessem mordê-la, para os que queriam um pedaço, se vangloriar era a maneira mais cruel de aceitar o contrário, o que se era.

      O mosaico neural sempre foi o paradigma, não me impeça essa noite de esquecer, não me faça inibir o irreprimível. Ele sempre esteve no canto da sala. Apenas se deite ao meu lado e me deixe ajeitar tudo. Isso não é nada, o medo do escuro me deixa nervosa, ainda posso sentir o formigar fazendo sinapses com as correntes, com a fileira. Morda a língua para que o café que te bebe pela manhã não te traia.

     Concentra-se na ausência das unhas, e na carne do braço escreve um belo texto exaltando os arpejos degradantes do teu lado direito. Prepare um enorme cortejo. Tocadores de tumba e viciados no meio da rua.

Carolina Burnier

domingo, abril 22



             










     “Empty. Por mais simples que seja a língua ou a vontade de se expressar, nunca existirá palavra mais vazia que esta. As sílabas se esvaziam na necessidade até que no ínfimo som pronunciado não sobre mais palavra. É impossível algo sobreviver. Como evitar chegar ao ponto de mais nada existir depois da vulgaridade que há na última letra?”











O Coração


    O músculo mais forte do corpo é o coração. Deparou-se com essa sentença alguns anos antes. Passava pela rua e por descuido de alguém que passava próximo, escutara essa frase.  Esses acasos de quando andamos na rua ou estamos no ônibus e de alguma forma captamos sons que se perdem dos outros. Seria mais ou menos quando andamos distraídos e pelo movimento da caminhada, os braços fazendo equilíbrio com o movimento das pernas e nesse instante um estranho nos toca, quando as pontas dos dedos roçam na roupa da pessoa que passa ao lado, na direção oposta ou na mesma direção. Aquele espanto, o medo de sermos inconvenientes, de termos tocado algo além das vestes e nesse simples descuido alguma fortaleza do outro desfarelar-se no ar.          
     “Desculpe-me”- Repete-se de forma quase agressiva ao estranho, este simples erro de percurso bastaria como algo pesado. E poderia algo mais ter sobrevida naquele restante de destino? Tudo poderia constranger-se naquele toque, menos o coração. E certo tempo depois entenderia de forma natural aquele acaso, como se aceita uma realidade, não pela imposição de ocorrido, porém por ser tudo aquilo o tempo inteiro e se quer dar-se conta.      
          E na realidade perceberia, “o coração sempre fora um músculo secundário”. As mãos sangravam, os dedos sangravam, os pés sangravam. O coração não, porque de certo na maioria das vezes vivemos tanto tempo encharcados de alguma coisa, que quando por fim nos ferimos não conseguimos identificar o que é aquela substância espessa que brota da nossa superfície, pois que talvez fosse mais algum sentimento empapando a roupa e não um corte profundo na carne. Por isso os desencontros viriam primeiro, porque sangrar e tocar são verbos dedicados à imaterialidade.
                O guardado no coração, não é amor ou qualquer outra sensação, é apenas a resistência muscular de sobrevida do restante dos órgãos. O sentimento é que aguarda o coração ser tocado pelo descuido, e após isso acontecer, o que antes era vontade compacta torna-se mais maleável, aos poucos se transforma numa espécie de líquido viscoso e atingindo o mais alto degrau de solubilidade vai se esparramando por todas as ramificações do corpo, logo não havendo a existência de nenhuma forma que poderíamos chamar de cardíaca como a anterior, na forma sólida.     
                “O músculo mais forte do corpo é o coração”. Deparou-se com essa sentença alguns anos antes . Escutara essa frase, como esses acasos de quando andamos distraídos na rua, em nosso movimento natural da caminhada, os braços fazendo equilíbrio com o movimento das pernas e nesse instante de alguma forma captamos sons que se perdem dos outros. De imediato temos certo espanto, o medo de sermos inconvenientes. Depois da frase, alguma inquietação instaurava- se naquele restante de percurso e enquanto passava pela rua, por descuido seu, um estranho que passava ao lado na direção oposta havia lhe encostado as pontas dos dedos e no desencontro sua mão tocado em sua roupa.  Nesse momento algo além das vestes tinham se desmistificado e neste simples cenário alguma fortaleza desfarelou-se no ar.