miércoles, abril 13

Justificativa Para Não Esquecer


Vazio. Lembranças não retidas e sim recortes do que contaram. Muitos nomes sem rosto. O que disse ontem é um tempo muito remoto em mim.

Conheço-te hoje e não reconheço lastros de histórias viventes em cada digital que carregas. Se em outros tempos disse amigo, odeio ou não amo, queria então acessar este santuário, porém o que guardaram em mim também me é distante como uma história que perpassa bocas e chega a ouvidos, esse instante que nunca podemos chegar perto.

E eu? Vagas coincidências nas prateleiras do quarto, onde se lê “esquecido” ou por mera sorte “salvo”.

Tuas palavras, teu signo de ar e as cicatrizes que as roupas escondem. Minha morte, meu seio direito e o cigarro que volto a fumar. Tudo cuidadosamente ressentido. Poderias apagar novamente a luz? Eu ainda não recordo de ter medo do escuro;

jueves, abril 7

Preâmbulo Para Atravessar a Rua

Para analisarmos o objeto consonante, faz-se necessário uma apresentação sublime de seu posicionamento e da intenção futurista de cruzar seguramente de uma calçada a outra. Supondo que este ato é algo tipicamente novo que nos foi apresentado pelo advento do automóvel e por esta decorrida criação, o invento da passagem própria para as agonizantes máquinas dos novos tempos.

Após essas necessárias informações para entender-se a utilidade das ruas e em maiores escalas as avenidas (ainda mais difíceis de se atravessar, diga-se de passagem) poderemos executar essa árdua amabilidade.

O percurso poderá ser feito com uma caminhada lenta, rápida/apressada ou corriqueiramente correndo. Esses modos de caminhada estão diretamente ligados a ânimo, situação e hora. Antes que esta descrição aproxime-se de um cálculo físico, desumanizando o caráter pessoal, avancemos para este.

Observe o fluxo automotivo e suas respectivas maneiras de rugir sob o asfalto. Veja atentamente as horas implicadas na aparelhagem fixada no pulso (pela maioria das vezes, este objeto encontra-se do lado esquerdo, porém há histórias da possibilidade de o encontrarmos no lado direito também). Tente rememorar da descrição de Cortázar sobre os "pés ", pois nos servirá para cruzarmos a rua.

Visto estarmos a salvo da corrupção de nossa matéria, algo realmente lamentável quando se atravessa a rua sem estar-se seguro, visto a existência de muitas casas funerárias, ansiosos formandos em medicina e muitas floriculturas com coroas de flores digníssimas para solenidades fúnebres.

Indique com a ponta do nariz a direção do percurso e coloque um dos pés asfaltados naquela mistura de carne e ossos, este primeiro passo representa um romper histórico, como se você fosse o primeiro homem a pisar na lua. Desconsidere a gravidade, os automóveis, a esquizofrenia rotineira que as pessoas vestem ao sair de casa e até mesmo os ônibus.

Sinta o pavor que antecedem os grandes feitos (manter vivo um pé de boldo pode ser um exemplo) e cante de olhos fechados (a entonação é fundamental), enquanto isso desprenda a presilha do relógio e atire-o no centro da rua, exatamente onde podemos encontrar o ponto fraco do cimento, um pouco acima do coração (lado esquerdo, como o dos humanos). No instante em que o relógio atingir o chão no ponto calculado, procure um semáforo e listras brancas marcadas no chão. Esse objeto luminoso possui três cores, quando houver o sinal do vermelho, cruze pelas listras brancas até o outro lado.

Conclusão: Com a criação das avenidas, carros, ônibus e pedestres aflitos, criou-se o sinal de trânsito para dar paz aos prefeitos que estavam cansados de reclamações e dos dois tipos de filas quilométricas que se formavam todos os dias na porta de seu gabinete. Uma por donos de fábricas de relógio reclamantes da nova lei assinada pelo presidente e a outra composta por pessoas aos gritos histéricos que haviam sido atingidas por relógios de pulso ao irem comprar pão e outras inutilidades e patrões desesperados com a falta de pontualidade de seus subordinados.


Bianca Burnier