martes, junio 21

E se descobrisse que a maior pena que recai sobre ela é viver¿ Talvez parasse tudo que fizesse por hábito para melhor sentir o chicote sobre as costas. As pessoas. Que dor lhe causavam as pessoas, principalmente aquelas que paravam no ponto de ônibus e a olhavam como uma recém chegada ao salão de festa. “Gente” era a força irrefreável para o sofrimento de seu ânimo.

Era o risco que sempre correra quando alguém lhe batia à porta ou saia na rua. O receio de que pudessem descobrir o que era tragado e o que também havia em toda aquela fumaça saída de sua boca. Habituou-se tanto a viver sozinha com suas pequenas coisas que não podia mais sair à rua. Os sinais. O nosso corpo exala os pergaminhos descalços que escondemos. Todas as verdades despidas e juradas de segredo e silêncio apareciam nas falhas de seu corpo.

Cabelos cacheados, olhos castanhos, largos quadris e cicatrizes pelo corpo. Nada poderia denuncia-la ainda mais que essas informações. A semântica do corpo era um ultraje para as coisas com maior peso que esta carregava.

Certa vez dormiu o mais triste que as suas lembranças permitiram. Acordou criança. E seu maior desejo era que a levassem segura pela mão, queria se equilibrar na beirada da calçada sem correr o risco de cair. Olhou até onde julgaria poder prosseguir em equilíbrio e pensou que se não acordasse do sonho poderia chegar até a próxima esquina.

Bianca Burnier

miércoles, junio 15

Quando florescida cedo arrancou as raízes. E com empáfia de quem não se preocupa por ter aleijado a natureza dizia que era direito seu e de ninguém mais. Talvez se tornara seca de qualquer substância fértil.

Na dúvida que se fazia, dizia-se mãe de alguma coisa. “Nasceram mortos” ela dizia. A primavera antes posta com flores retornava a tempos outros.

Pelo menos era sabido por ela que em algum lugar estariam. Talvez estivessem bem ou não estivessem. Poderia ser só terra cobrindo corpo morto, só mais uma lembrança que se confundia quando tudo se perdeu. No fim já não se sabia quem ou o que estavam perdidos. As coisas se faziam relativas quando ouvidas e não quando sentidas. Nunca pode ver as faces distorcidas nem ouvir palavras que se diz a quem se ama para também poder relativizar a sua dor.

Aos meus filhos.

Carolina Burnier