martes, octubre 23

Talvez um Dia



               Qualquer dia desses eu lhe chego e te faço uma festa. E nesse dia, quando eu chegar à sua porta, eu vou querer olhar bem pra você, olhar bem dentro da sua cara.
               
                Vou arrancar olhos, lamber o corpo e gritar, gritar tanta coisa que você não vai entender nada. Eu vou causar o caos e tirar todas essas dores e não me importe que não goste de surpresas ou festas no meio da noite.
               
                Mais dia menos dia e você vai ver, chegar metendo o pé na porta, te segurar pelos joelhos e olhar bem fora das órbitas dos seus olhos.
               
                Levar raiz de planta, cuspidor de fogo e o caralho a quatro e aí quero ver você se aguentar de baixo desse teto. Comemoração de um mês e o povoado todo vai vir e inclusive você vai voltar pra dentro de si. Banda tocando na sua porta. Gente trepando no sofá. E nenhuma viga vai ficar de pé, nem a sua.
               
                Pode esperar, num dia desses eu te ligo no meio da noite falando manso. E eu vou falar tão baixo que você não conseguirá escutar a minha voz ou qualquer tipo de som, mas eu ainda vou estar ali do outro lado da linha, chamando seu nome, implorando por festa. E nada disso vai chegar. E nada depois do vir também vai chegar.
               
                Te arrasto pelo cabelo no meio da sua sala. Digo que te amo, qualquer coisa assim. E você cravando todas as suas dez unhas no meu rosto, nas minhas costas. E eu vou te dar um sorriso. Um sorriso sim, porra, porque a festa vai estar dentro de você. E toda essa chaga antiga, essas dores no corpo vão estar em outro lugar.
               
               Eu vou estar dentro, tirando do sério qualquer situação contrária que não seja amor.

               Mais dia menos dia e você vai ver, chegar metendo o pé na porta e te pedindo pra ficar.


               Qualquer dia desses.


Bianca Burnier

sábado, octubre 20

O Pé







            E tudo pertencia ao seu pai. Absolutamente tudo era algo que além de participar do universo dele, também era ele.

            No início eram simples braços, pequenos, incapazes de envolver qualquer coisa chamada de objeto, coisas essas táteis ou da ordem cromática ficcional. Pequenos tufos de cabelo dissipados pela cabeça e as feições atordoadas pela verossimilhança faziam parte do latifúndio afetivo.
           
           E mesmo sendo gerado em outrem, não fazia dessa consequência uma espécie de resultado menos dele. Era um acaso temporal, genético, onde por questões de instantes não fosse possível que ele desenvolvesse sua própria imagem em outra estrutura. Não foi simplesmente uma questão de olhar-se no espelho e em questões dos próprios instantes ver-se ali, paralisado, paralisando si. Sendo o “mesmo” parte de outro ou não, não se fazia questão de partilha. Poderia ser o mesmo em versão figurativa espelhada em alguma coisa que se dizia ele próprio.

          E somos.

          Tudo aquilo de outrora. Pai-filho e o vice. Era o convexo com suas dissonâncias. E as consonâncias por mais que fossem externas delimitavam um permear de cumplicidade e cuidado que apenas estes poderiam compreender.

         Os dedos do pé eram simplesmente idênticos e por muito tempo seu reflexo pegava-se olhando. Os dedos do pé. Os dedos. O pé.

         “Extremidade dos membros dos animais terrestres que assenta no solo. No homem e outros bípedes, o termo se aplica apenas à parte final das extremidades inferiores. O pé tem 29 ossos.”

          Nada se fala da internalidade dos pés, porque além de anatômico, o pé é emocional, existe uma carga dramática que nenhum outro órgão traduz. No movimento que nos traz para fora, retornamos a casa.
        

         29 ossos.

         E não se encontra. Não se tem presente ali nenhuma lembrança.
         O esqueleto humano possui 270 ossos.
         E nenhum deles poderia chamar
         Seu.

viernes, octubre 19



E toma-se mais um gole, mais uma tragada. Nesses arranhas céus da madrugada, não existe o líquido, é outro estado que se estabelece. Qualquer variável e não sabemos mais onde estamos.


Algo sólido encara estridente tudo imposto. Como se fosse essa cousa que nos faz ser mais diferentes que tudo isso.




Não se fala a mesma língua, paga-se os mesmos impostos.

ImPostos.







                                   Em qualquer variante tudo liquefaz dentro do corpo do outro.



Remediando as próprias vontades revolutas.

Nessa eminência da carne queremos sonoridade nessa porra escrita!

E a palavra que não entendo me faz música e “aranha-céu”.

Escalo mais um degrau e está feito.

O amor desgastado da palavra não alçada neste rosto.

Nesta pele.

Aonde você mora.


                                                                                                                                    Depois.








Bianca Burnier.