Assim como o
contrato intrínseco que existe entre a vida e a morte,tentamos estabelecer o
mesmo acordo entre o registro da oralidade entrevistadora e os tantos olhares que existem dentro de uma
única fala.
O que de fato
tentamos fazer nesse registro, o que de alguma forma envolveu naturalmente
esforços dos mais variados no decorrer da construção, foi realizar um objeto
final coletivo que respeitasse a pluralidade de uma fala com tantos outros
olhares em si.
O mito da morte e o
mito da fala única, carregando em sua essência a necessidade dos causos
populares, dos olhares do povo de sua auto tragédia anunciada.
A transgressão do
inventário do causo popular que supera o ato concreto de morrer pela última
vez.
A entrevista da
morte, pelos olhos da gente que também morre e não dá entrevista.
“de fato ninguém sabia, mas no entre-tantos
em tanto canto uma certeza é severa
a morte chega
e é o coveiro que vive da morte
encarregado do braço final
pá de terra sobre o peito
vestido preto
e o sol arde
como se o próprio inferno fosse a junção do calor mais a morte
é disso tudo que nasce o diabo
e o diabo se chama Maria das Dores
e o coveiro é empresa terceirizada
que manda as alma fulana
pro julgamento final.
e nos princípios era acordo de verbo
diabo e coveiro se apalavram
porque julgamento final é falácia
tem céu não mais acima desse que tem na nossa cabeça
só tem o centro da terra que é quente, lua e o sol que é quente também
e vai todo mundo pra um lugar mais quente ainda
o centro da terra é o inferno
e tá todo mundo lá
e nesse caso todo de inferno super lotado
teve arroxo nos repasses de Maria das Dores em cima dos coveiros
e em toda gente que lidava com
morte
era mal falatório das rezadeira do Açaré
até criação de SindMorteRJ de Cabo Frio
era tudo que era essa gente junta pra tentar reclamório contra os
apertos salariais de morte de Dona Maria das Dores
e tinha essa menina
Lurdes de Cabo Frio
que bem dizia seus cantos nos velórios da cidade
casada com o coveiro Zé Augusto lá da Santa Casa
e de um mais outra das reclamações do povo da região
os dois se junta com um tanto de gente,
dos sargentos das funerárias ao comércio de Lindalva de Coroas de Flores
das rezadeiras dos costumes de arruda do bairro de Jardim da Esperança
até Preta Benedita que chorava com Lurdes nos velórios.
e disso tudo pra não mostrar brincadeira criam o SindMorteRJ.
Sindicato da Morte do Rio de
Janeiro.
eleição pra presidência do Sindicato
foi chapa única de Lurdes e Dona Benedita
eleitas por aclamação popular
dia seguinte reunião já marcada
pra firmar compromisso com a base
e juraram colocar de um tudo nessa reunião
e explicar pras das Dor que não tinha era jeito
que qualquer corpo que caísse nas terras de Cabo Frio, Araruama ou São
Pedro iam era ficar sem chorona de
Benedita,
reza, terra ou coroa de flor
e por tempo intederminado era
essa greve
era rever os arroxos no povo de morte
ou ninguém mais morria nessas terras de chão salgado
e o tal dia era chegado dessa reunião
Lourdes e Benedita caminham até o cemitério central
que é lugar marcado com o Demo
metade de dia e sol
chegando lá com Maria das Dor muito solicita
como quem agrada depois de erro
ouve tudinho sem um pio
e depois das queixa da falta de prata
justifica constrangida que pra
dinheiro de pão do povo não se brinca e não se espreme salário
e disse que não tinha autonomia pra fazer seus projetos no inferno
que o negócio era um teatro puro
tudo a cargo do Homem do Céu
inclusive os arrouxo de quem trata dos assuntos de passagem pro outro
lado
disse até que seu salário tinha caído na metade
e os capeta dos quatro cantos também tava era organizado pra atentar o
juízo de Deus
e o negócio foi o seguinte
Lourdes e Benedita se juntam com das Dor
e teve gente falando que era pacto com o Demo aquilo tudo
e era mermo
no inferno faz tanto sol como em romaria pra Espírito Santo
é o mesmo sol que bate na cabeça
o nosso chão é da mesma terra que o céu do inferno
e deus foi que se danou desse acordo todo
foi falta de romaria que se ando do rio de janeiro pra tudo que era
canto do país
e todo condenado ao sol na nuca cruzou os braços
diz até que o coronel do paraíso ficou foi doido quando viu por 15 dias
ninguém chegando pro seu próprio juízo final
teve defunto ressuscitando no próprio velório
ninguém era fura greve
dotô lá de cima teve que volta atrás
trazer os salários de todo capeta que trabalha nas duas terra
o povo tinha criado era juízo
deu conta do sol que tem
alumio foi as idéia
e minha avó que dizia que a gente
tava mais perto do diabo que de deus
tava certa era mesmo
depois desse causo todo
criaram foi investigação na prestação e repasse de verbas das Contas do
Santíssimo
já tem mais de 3 reuniões do Comitê que o Anjo não aparece
o bicho não desce do céu
e a gente se presta a papel de besta
esperando resposta e olhando pra cima
o homem que é diabo sofredor dessa história
fez aliança com o inferno pra deixa de mazelar um pouco nessa vida
e minha avó que dizia que a gente tava mais perto do diabo que de deus
tava certa era mesmo
a gente é que tem um inferno todo dia dentro do peito
a gente que é diabo sofredor nessa terra toda esquecida por Deus
e lembrado, apalavrado,registrado em cartório por Maria das Dor.”
Agradecimento
pela colaboração de minha mãe Andréa,
dos meninos Luis Otávio e Raphael,
a Dona
Maria das Dores,
agradeço ao meu aconchego Bia,
a meu avô baiano Betinho que foi meu primeiro contador
de história popular
e a todo causo de morte que eu ouvi de toda gente durante
essas entrevistas
Minha Avó Neuza Neves que de tudo sabia um pouco.