sábado, octubre 20

O Pé







            E tudo pertencia ao seu pai. Absolutamente tudo era algo que além de participar do universo dele, também era ele.

            No início eram simples braços, pequenos, incapazes de envolver qualquer coisa chamada de objeto, coisas essas táteis ou da ordem cromática ficcional. Pequenos tufos de cabelo dissipados pela cabeça e as feições atordoadas pela verossimilhança faziam parte do latifúndio afetivo.
           
           E mesmo sendo gerado em outrem, não fazia dessa consequência uma espécie de resultado menos dele. Era um acaso temporal, genético, onde por questões de instantes não fosse possível que ele desenvolvesse sua própria imagem em outra estrutura. Não foi simplesmente uma questão de olhar-se no espelho e em questões dos próprios instantes ver-se ali, paralisado, paralisando si. Sendo o “mesmo” parte de outro ou não, não se fazia questão de partilha. Poderia ser o mesmo em versão figurativa espelhada em alguma coisa que se dizia ele próprio.

          E somos.

          Tudo aquilo de outrora. Pai-filho e o vice. Era o convexo com suas dissonâncias. E as consonâncias por mais que fossem externas delimitavam um permear de cumplicidade e cuidado que apenas estes poderiam compreender.

         Os dedos do pé eram simplesmente idênticos e por muito tempo seu reflexo pegava-se olhando. Os dedos do pé. Os dedos. O pé.

         “Extremidade dos membros dos animais terrestres que assenta no solo. No homem e outros bípedes, o termo se aplica apenas à parte final das extremidades inferiores. O pé tem 29 ossos.”

          Nada se fala da internalidade dos pés, porque além de anatômico, o pé é emocional, existe uma carga dramática que nenhum outro órgão traduz. No movimento que nos traz para fora, retornamos a casa.
        

         29 ossos.

         E não se encontra. Não se tem presente ali nenhuma lembrança.
         O esqueleto humano possui 270 ossos.
         E nenhum deles poderia chamar
         Seu.

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