sábado, abril 28

O Cortejo




      Debaixo das unhas, nos braços, nas coxas, nas mãos e entre os dedos.
      
      Cada vez a morte era posta de forma diferente. A conversa, as obviedades ditas durante as “terapias”. Aquela forma de lidar com a própria dor. As unhas roxas, o frio, as agulhas. A contrapartida, o contraponto, o contrário. Sete semanas trancada em si mesma e a loucura já permeava a cor da pele. Os fragmentos não a seguiam, porém sabia de tudo que se passava. Bastava estender a mão para que quisessem mordê-la, para os que queriam um pedaço, se vangloriar era a maneira mais cruel de aceitar o contrário, o que se era.

      O mosaico neural sempre foi o paradigma, não me impeça essa noite de esquecer, não me faça inibir o irreprimível. Ele sempre esteve no canto da sala. Apenas se deite ao meu lado e me deixe ajeitar tudo. Isso não é nada, o medo do escuro me deixa nervosa, ainda posso sentir o formigar fazendo sinapses com as correntes, com a fileira. Morda a língua para que o café que te bebe pela manhã não te traia.

     Concentra-se na ausência das unhas, e na carne do braço escreve um belo texto exaltando os arpejos degradantes do teu lado direito. Prepare um enorme cortejo. Tocadores de tumba e viciados no meio da rua.

Carolina Burnier

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